O recifense Manoel Carlos de Luna Filho, 41 anos, passou grande parte da infância no interior da Paraíba, na cidade de Umbuzeiro. Aliás, foi de lá que ele voltou ao Recife sendo chamado de Neco. Aos 13 anos, foi tentar a sorte como jogador de futebol no Sport, mais precisamente no dia 26 de fevereiro de 1981, no peneirão realizado na Ilha do Retiro. Daquele dia até o final de 1994, passou a ser atleta na equipe da Praça da Bandeira.
Assim começou a sua história no clube leonino. Atual técnico do Rubro-negro, há dois anos, Neco contou que chegou a afirmar para a esposa que poderia desistir da carreira. “Se daqui a dois ou três anos não conseguir pegar uma equipe de ponta, vou agilizar minha vida profissional em outra área”, revelou. Com passagens pelo comando técnico de clubes modestos como Picos e Oeiras (ambos do PI), Vitória, Recife (hoje Manchete) e Ypiranga, em Pernambuco, o seu desafio agora é classificar o Leão para a fase seguinte do Brasileiro da Série B, em apenas três partidas. Se Neco é apenas tapa-buraco ou vai mesmo continuar no cargo, só o tempo dirá.
Folha de Pernambuco – Neco, sinceramente, você esperava ser promovido ao comando técnico dos profissionais do Sport?
Neco – Não. Eu não esperava ser efetivado este ano. Apesar de achar que estava na hora de ter uma chance numa equipe de ponta.
FP – Na condição de quinto treinador do Sport nesta temporada, em nove meses incompletos, tal episódio lhe chama a atenção?
Neco – Eu já passei por uma situação parecida, como jogador, de ver passar três ou quatro treinadores pelo comando de um grupo. Mas foi num período maior, quase um ano. Isso dá uma média de 45 a 50 dias com um treinador. É muito pouco tempo para se conhecer e analisar o trabalho do profissional. Mas foi uma coisa que aconteceu e que sirva de lição para a diretoria, para nós treinadores… O importante é sabermos conduzir o relacionamento entre imprensa, diretores e jogadores para não entrarmos num desgaste grande num período de tempo curto.
FP – Como o senhor ficou sabendo que seria o técnico do Sport? De que forma e de quem recebeu a notícia?
Neco – Eu não tenho precisão, mas acho que foi cerca de duas horas depois do jogo Marília 4×1 Sport, no sábado passado. Fizeram o convite, mas não ficou oficializado. Até porque eles (os diretores) teriam que conversar com o treinador (Edinho Nazareth) no dia seguinte.
FP – E após a confirmação de que seria mesmo técnico?
Neco – A sensação foi de muita alegria. Era o retorno para a equipe que fui atleta e agora como treinador. É claro que eu já estava nas divisões de base do clube, mas queria treinar os profissionais.
FP – Qual é a sua percepção deste momento tão importante na sua carreira de treinador?
Neco – Eu tô até assustado… Pra mim foi tudo muito rápido. Eu até converso com Amaury (Amaury Veloso, assessor de imprensa do clube), sobre como me conduzir com a imprensa. Quando eu era atleta e trabalhava em time pequeno, a gente dava uma ou duas entrevistas individuais. Agora não, são entrevistas coletivas de rádio, televisão e jornal. O momento não é de empolgação. Tá bom, legal, o pessoal me cumprimenta na rua. Mas a hora é de muito trabalho.
FP – Mas o clima no qual se encontrava a Ilha do Retiro não era favorável. O Sport sob ameaça de rebaixamento e apenas três jogos para resolver a classificação para a fase seguinte da Série B.
Neco – Existe uma série de situações desfavoráveis que vem desde o início da temporada. A perda do título do centenário para o Santa Cruz, a não classificação para a Copa do Brasil 2006 e agora essa oscilação de bons e maus resultados que aconteceram na primeira fase do Campeonato Brasileiro da Série B. Você fica assustado, mas tem que ter coragem para seguir. Uma das coisas que nunca faltou em mim foi coragem para enfrentar desafios.
FP – Cita alguma passagem em que essa marca ficou expressa.
Neco – Eu peguei equipe aqui em 24 horas para subir, da noite para o dia, à Primeira Divisão estadual, em 2003. Era o Recife (atual Manchete), que precisava vencer o Porto, em Caruaru, onde nem os jogadores queriam ir para aquele jogo. A razão era o receio de ficarem na história como os jogadores que rebaixaram o Recife para a Segunda Divisão. Mas o supervisor na época, Ivanildo Sales, quando ligou pra mim não aceitei. Já havia passado até o período de fazer um treino, no sábado. Os principais jogadores nem compareceram ao treino. Mas aí tudo correu bem e ganhamos do Porto por 2×0.
FP – Quais os principais pontos críticos identificados no grupo, quando o senhor assumiu o cargo?
Neco – Eu quis passar primeiro para a equipe confiança. Havia até a incerteza de quem iria jogar, a cada rodada. Quando me apresentei aos jogadores, sem a presença de diretores e imprensa, disse o seguinte: “Eu, no momento em que fui convidado, quando planejei o trabalho, já tinha a minha equipe em mente. Só tinha dúvida em uma posição”. Depois, transmiti aos jogadores que não tinha compromisso com eles, mas sim com a empresa que me paga, que é o Sport.
FP – Mas, e a ligação entre o técnico e os atletas?
Neco – O meu compromisso com eles é fazer com que acreditassem no comandante, acreditassem no que eu ia passar para eles durante aquelas 48 horas que antecederam ao jogo contra o Bahia. Houve conversas em grupo e individualmente com jogadores para passar confiança e transmitir para eles também o que é o Sport. Porque tem muito jogador que vem aqui, joga, vai embora e não sabe o que é. A estrutura, a dimensão, a história, as conquistas…
FP – O primeiro desafio dos três jogos foi atingido. Com a vitória sobre o Bahia, o Sport não cairá para a Série C, em 2006. E o jogo contra a Portuguesa?
Neco – A dificuldade que a gente vai encontrar a partir de agora será a responsabilidade de classificar o time entre os oito que vão para a próxima fase do Brasileiro. Cada jogo é uma etapa. Já passamos pelo Bahia e agora vem a Portuguesa. Não adianta pensar nos dois jogos que restam de forma única. Temos que nos concentrar apenas na Portuguesa, depois no outro adversário. Vou inclusive aproveitar estes dias sem jogos para conhecer mais o grupo e garanto que a pegada e a participação serão melhores.
FP – Quem o senhor conhece deste grupo?
Neco – O terceiro goleiro Igor, começou comigo nos juvenis do Sport. O lateral-direito Marcos Tamandaré, jogador do Porto. Ele foi uma indicação que eu fiz quando vim trabalhar aqui nas categorias de base. O zagueiro Clécio, que foi jogador meu no juvenil, quando era lateral-esquerdo. Eu efetivei ele de zagueiro porque não tinha muita velocidade. O atacante Bibi, o volante Geraldo, os meias Heider e Diego e o atacante Zé Paulo. Já o atacante Jadílson eu conhecia desde uma peneira daqui do clube, em 1999.
FP – Neco, como está o clima entre os jogadores leoninos, hoje?
Neco – Eu vi hoje (quinta-feira pela manhã) jogadores no treino brincando, alegres. Porque tem aquela brincadeira forçada, que você percebe no olhar do jogador que não é autêntica. A gente vê que o jogador está solto, expontâneo. Na maneira de trabalhar, de falar, a gente fica emocionado e passa essa emoção para o jogador.
FP – A perda da voz após o jogo da estréia foi um fator emocional ou não?
Neco – Aquilo é natural de quem gritou muito durante o jogo. Como eu não tenho uma voz muito forte, então me esforço a ponto de quase ficar sem condições de falar, depois da partida.
FP – Neco, você chegou a temer pelo resultado quando o Bahia fez 2×0?
Neco – A sensação foi a mesma que eu passei, antes do jogo, ou seja, que o jogo tem 90 minutos. Quando a gente desceu no intervalo, perdíamos por 1×0, antes de eu começar a falar qualquer coisa a respeito de posicionamento, ou dos erros cometidos, fiz questão de olhar no olho de cada um. Perguntei se eles iriam mudar o placar. A resposta positiva foi unânime. Na prática, conseguimos vencer e estamos na briga pela classificação.
FP – Sobre a definição que o senhor utilizou como “o time da torcida”, a máxima continua?
Neco – Quando a gente fala, o “time da torcida” quer dizer que vai trazer a torcida pro nosso lado. É o time que vai entrar, independente do nome dos jogadores. Esse time hoje é a cara da torcida. Como age a torcida do Sport? Vibrante, que gosta de jogador valente, que não desiste da jogada, então é a equipe que a torcida quer.
FP – O que o senhor espera do grupo leonino para o complemento da primeira fase da competição?
Neco – A disciplina tem que haver, até porque não estou trabalhando com moleques, e sim com profissionais. Então, eu pretendo mostrar para eles que, se estiverem bem, satisfeitos, alegres para trabalhar, a gente vai se conduzir de maneira amigável. Se for para se conduzir com indisciplina, com insatisfação, eu não vou ter nem tempo de ter desgaste.
FP – Neco, jogador “de nome” é prioridade na sua equipe?
Neco – Bons jogadores são aqueles que estão bem no momento. Se o jogador fez a história dele antes, mas não está motivado para fazer hoje, então não adianta. Eu parei a carreira como jogador com 32 anos. Eu não era craque, nem estrela. Tinha que correr pelos outros, tinha que dar mais de mim para conseguir meu objetivo.
Foto: JC Imagem
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